O caminho que sobe e o caminho que desce são um único e mesmo.
Heráclito
Nosso corpo é a árvore Bodhi
E nossa mente, um espelho brilhante.
Cuidadosamente devemos limpa-lo hora após hora,
Para não deixar nenhum pó se acumular.
Shin Shau (Jinshu)
Não há nenhuma árvore Bodhi,
Nem lugar para um espelho brilhante.
Uma vez que tudo é vazio,
Aonde irá a poeira se assentar?
Hui Nenh (Eno)
Numa certa época, tendo realizado a unicidade de todas as coisas (tudo era Um), fiquei muito fascinado com isso. Achava que tinha chegado a algum lugar e estava muito satisfeito comigo mesmo. Eu tinha entendido o Darma. Mas coisas estranhas começaram a acontecer na minha vida. Ia à feira ecológica com minha sacola de pano do Forum Social Mundial e comprava algumas verduras. Aí chegava em casa, colocava as verduras num gancho, cozinhava a sacola e comia. Mas, por sorte, minhas dores de barriga não duraram muito. Outro acontecimento me livrou deste estado de “iluminação”.
Um dia, estava assistindo uma missa numa igreja católica e, de repente, realizei que aquela missa e uma cerimônia budista eram ao mesmo tempo a mesma coisa e diferentes.
Não foi uma descoberta feita com raciocínio discursivo, foi um estalo, uma sacação. Claro que eu tinha lido (e várias vezes) o Sutra da Identidade entre o Relativo e o Absoluto e o Sutra do Samadhi do Espelho Precioso, de modo que, de uma certa maneira, as ideias de Absoluto e Relativo já estavam em mim. Mas, como vou dizer, parecia que vinham por turnos, uma hora vinha um, outra hora outro.
Mas agora era tudo ao mesmo tempo, o Absoluto e o Relativo se entrecruzando e coexistindo. “Cada coisa com seu valor intrínseco e relacionada a tudo o mais em função e posição, a vida comum se encaixando no Absoluto, como diz o sutra”. As coisas penetravam em mim e eu estava dentro delas. Eu não estava mais olhando pelo caleidoscópio, eu estava dentro dele, eu era ele.
Há uma interpenetração recíproca do Relativo e do Absoluto.
O zazen, as cerimônias, os ensinamentos e as tarefas cotidianas não são coisas separadas. Entretanto cada uma tem seu lugar e posição: a cenoura e a sacola são Um, mas não se pode comer a sacola.
Não devemos dizer que tudo é prática, mas sim que tudo pode ser transformado em prática.
Posso estar sentado sem realmente fazer zazen, posso limpar o incensário sem estar praticando, e posso me transformar num erudito sem estar seguindo o Caminho.(do zen só sei o que os outros dizem).
Na minha posição de leigo que não segue o catolicismo, eu estava plenamente presente naquela missa, estava dentro dela, o incenso entrava em mim, então era uma prática. Se estivesse numa cerimônia budista, sem plena atenção, só observando, não seria uma prática.
Prestar plena atenção, mas ficando de fora, tendo um Eu que presta atenção, ainda é dualidade. Temos que prestar atenção estando dentro. Fazendo parte do ato, sendo o ato.
Por isso acho que os dois poemas acima, devem ser lidos juntos. Jinshu fala do Relativo e Hui Neng do Absoluto.
A dualidade está na nossa mente, nós a criamos. Mas não podemos cair na ilusão oposta e criar apenas a ideia de que tudo é Um.
Enquanto “achamos” que é isto ou aquilo, ainda há dualidade, porque ainda há alguém que se põe de fora e observa. Enquanto há um Eu que diz que tudo é Um, há dualidade. Mas quando abandonamos o pensamento e a prática de observar de fora, quando estamos vazios de um Eu que se separa, fazemos parte de tudo e entramos no Tao que não pode ser dito nem pensado.
Como um bobo, como um tolo.
O Relativo e o Absoluto se integram.
É o que é.
Dozen Muni sensei
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