Para que ele serve afinal?
A maioria das pessoas que entram no budismo está à procura de algo que mude suas vidas, de preferência algo prático. A ideia de não ganho, de sentar por sentar, só vem, se vier, muito depois. Então coisas como o Sutra do coração parecem sem sentido, sem utilidade.
Aqui procuramos dar uma pequena amostra de como o sutra pode se encaixar em nossa vida.
Então vamos imaginar que fomos na padaria comprar pão.
“Claramente observou o vazio dos cinco agregados assim se libertando de todas as tristezas e sofrimentos”
Se olharmos para aquele pãozinho e entendermos que tudo é vazio de uma existência própria, que tudo é interdependente, e mais, que aquele pão vai em parte se transformar em nós, (nosso sangue, nossa carne, nossas unhas), e que no fim nosso corpo vai se transformar nos vermes que nos comerem e se espalhar na natureza, se tudo isto estiver dentro de nós, se nós formos esta verdade, então o sutra terá ajudado a comprar o pão.
Mas ele diz: sem forma, sem sensação..., sem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente...
Então como vou identificar o bendito pãozinho? Como vou sentir o cheiro do pão novinho? O gosto?
Bueno, na realidade o sutra diz que meu olfato não existe sozinho, por si, independente de todo o resto. Ele não pode sair por aí cheirando pães enquanto estou escrevendo este texto. E o mesmo vale para o resto.
Então compro e cheiro o pão sabendo que meu olfato está interligado com minha visão, minha mente, com tudo.
Mas o sutra diz também que o pão não se criou do nada, que ele já existia antes em forma de trigais balançando ao vento, de água, sais minerais, etc. Tudo isto já estava na natureza a foi se transformando no nosso pãozinho. Não gosto de dizer sem nascimento e morte, porque nascimento e morte têm um sentido bem definido para nós. Afinal todos já vimos um bebê nascer ou uma planta morrer. Prefiro dizer como Lavoisier, criação e perda. “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Se eu tiver tudo isto presente em mim, se tiver presente que o pão é apenas um momento da eterna transformação de tudo, e que isto vale para mim e todo o resto, se eu tiver presente de que não existem coisas, mas só acontecimentos, então de novo o sutra terá me ajudado a entender o ato de comprar meu pãozinho.
Então posso comprar meu pãozinho em paz. Mas devo me lembrar do que diz o outro sutra que completa este, o “Sutra da identidade do relativo e do absoluto” que diz que “tudo é um”, mas “cada coisa tem seu valor intrínseco e está relacionada a tudo o mais em função e posição”.
Isto quer dizer que não posso viver apenas no mundo do absoluto, no mundo do “tudo é um”, senão vou ter dor de barriga, como aconteceu comigo. Eu estava lá, muito satisfeito por haver “sacado” que tudo era um; peguei minha sacolinha de pano e fui comprar cenoura. Cheguei em casa, pendurei a cenoura num gancho, cozinhei a sacola e comi. Se tudo é um...
Depois de passar a dor de barriga, reli de novo o sutra.
Dozen Muni sensei
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